quarta-feira, 15 de maio de 2024

A HIPOCRISIA DIPLOMÁTICA E A REALPOLITIK DE ERDOĞAN

                   Foto: Murat Cetinmuhurdar - Presidential Palace

A recente escalada nas tensões entre Turquia e Israel colocou mais fogo nas relações entre os dois países. A decisão do presidente Recep Tayyip Erdoğan, de romper todos os laços comerciais com Israel no início deste mês, não apenas destaca as divisões políticas na região, mas também expõe a hipocrisia flagrante que permeia as ações do governo turco.

Ancorada entre o Ocidente e Oriente, a Turquia há muito desempenha um habilidoso jogo de equilíbrio entre suas relações com a Rússia e seus aliados, por um lado, e os países ocidentais, por outro. O famoso "jogo-duplo".

Esta diplomacia de aparente equilíbrio permite à Turquia manter uma influência considerável na região, ao mesmo tempo em que protege seus próprios interesses e prioridades nacionais. No entanto, esse equilíbrio também deixa o país vulnerável a pressões e rivalidades regionais, especialmente em momentos de conflitos e tensão como o atual.

Sob a liderança de Erdoğan, a Turquia desempenha um papel central em dois conflitos, na Ucrânia e na Faixa de Gaza, adotando uma estratégia de equilíbrio delicado entre Moscou e Kiev, mas ao mesmo tempo, condenando as ações militares israelenses em Gaza. E é exatamente por trás dessa fachada de equilíbrio diplomático e aparente apreço pelos direitos humanos que o presidente turco revela sua postura hipócrita.

Desde que assumiu o poder em 2003, Erdoğan trilhou um caminho semelhante ao de Vladimir Putin, consolidando seu domínio político na Turquia através de mudanças na Constituição e repressão a adversários políticos e protestos contra o governo. No entanto, ao contrário das críticas contundentes dirigidas a Putin pelo Ocidente, as ações autoritárias de Erdoğan têm sido amplamente toleradas, revelando uma dupla medida na avaliação dos líderes mundiais.

Durante seu longo período no poder, Erdoğan implementou políticas repressivas que minaram as liberdades civis na Turquia. Da repressão violenta aos protestos anti-governo, como os do Parque Gezi em 2013, à aprovação de leis que ampliam seu poder, como no referendo constitucional de 2017, sua postura autoritária e dissimulada é clara.

Além disso, a hipocrisia de Erdoğan se estende à sua política externa. Embora critique as ações de Israel na Faixa de Gaza e inflame protestos pró-Palestina e contra Israel, ele adota uma postura conivente com violações dos direitos humanos dentro e fora de suas próprias fronteiras, negando identidade cultural aos curdos e reprimindo suas populações no leste do país, bem como apoiando o ataque a essas populações nos países vizinhos, como Síria e Iraque.

A relação de Erdoğan com a Rússia de Putin é outro exemplo. Apesar de a Turquia ser membro da OTAN desde 1952, o governo Erdogan mantém laços estreitos com Moscou, realizando acordos energéticos e adquirindo sistemas de defesa terra-ar, como o S-400, adquiridos da Rússia em 2019, além de facilitar a angariação de fundos para o Hamas (organização que, segundo o próprio Erdoğan, seria cruel considerar como terrorista), acolher seus militantes em hospitais turcos e servir de rota de fuga das sanções contra a Rússia.

Essa postura ambígua de Erdoğan também se reflete em sua relação com a OTAN. Enquanto desafia as diretrizes da aliança em prol dos interesses nacionais turcos, ele mantém sua posição privilegiada, limitando as opções da OTAN e expondo a fragilidade das relações entre os países-membro. Recentemente, o governo turco tentou barrar a entrada de Suécia e Finlândia à aliança militar. A lista de atritos é extensa, o que faz muitos analistas pensarem se a OTAN estaria melhor sem os turcos.

A habilidade de Erdoğan de negociar com Putin é vista como uma vantagem estratégica para os turcos, mas levanta questões sobre sua lealdade à aliança militar ocidental. Sua capacidade de manter uma política externa pragmática, em contraste com sua repressão interna, revela um líder que coloca os interesses nacionais acima dos valores democráticos e dos direitos humanos.

Enquanto Erdoğan busca expandir sua influência no Cáucaso e na Ásia Central, promovendo os chamados "Pan-Turquismo" e o "Neo-Otomanismo", ao apoiar comunidades etnicamente turcas em países como Quirguistão, Turcomenistão e Azerbaijão (apoiando tropas azeris a expulsar armênios étnicos da região de Nagorno-Karabakh), ele continua a reprimir dissidências internas, promovendo uma caça às bruxas contra oponentes políticos e jornalistas críticos.

Recentemente, Erdogan comparou as ações israelenses em Gaza como "genocídio" e "holocausto" contra os palestinos, mas o próprio Erdogan e outros líderes turcos frequentemente rejeitam o termo "genocídio" para descrever o Holocausto Armênio de 1915, quando centenas de milhares de armênios foram mortos pelos turcos durante o Império Otomano.

Embora Erdogan busque figurar como um defensor dos direitos humanos e da democracia no cenário mundial, suas práticas autoritárias revelam uma realidade muito diferente. Esta discrepância não apenas enfraquece a credibilidade da Turquia como parceiro global, mas também lança dúvidas sobre suas pretensões de se tornar uma liderança intermediária entre Ocidente e Oriente. A verdadeira liderança requer sintonia entre discurso e ação, algo que Erdogan e seu governo, até o momento, falharam em demonstrar.