quarta-feira, 20 de março de 2024

A VITÓRIA DE PUTIN E OS DESAFIOS DE UMA RÚSSIA À SOMBRA DO AUTORITARISMO

 

             Foto: Gavriil Grigorov, Sputnik


Vladimir Putin venceu mais uma vez. O resultado do pleito russo realizado no último domingo (17/03), garantiu seu quinto mandato até o ano de 2030. Com 87% dos votos, o presidente russo consolidou ainda mais seu poder, superando seu próprio recorde anterior de votação, o que talvez, tenha sido a única novidade.

Como esperado, a eleição foi duramente criticada por líderes ocidentais, que levantaram questões sobre a legitimidade do processo democrático na Rússia, principalmente devido ao controle rigoroso do governo sobre o sistema político e o processo eleitoral, além da falta de uma oposição substancial.

Os únicos concorrentes de Vladimir Putin foram Nikolai Kharitonov, do Partido Comunista, Leonid Slutsky, do Partido Liberal Democrata e Vladistav Davankov, do Novo Partido Popular, autorizados pelo próprio presidente por serem - palavras de Putin - "amigáveis ao Kremlin".

Em seu discurso após a vitória, Putin enfatizou a promessa de prosperidade e crescimento para a Rússia sob sua liderança e reiterou que seu país jamais será intimidado por nenhuma nação, mantendo sua postura desafiadora em relação ao Ocidente, alimentada por um ressentimento histórico e uma visão distorcida da geopolítica.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, expressou abertamente sua condenação, chamando Putin de "ditador" e alertando para seu desejo de prolongar o poder pessoal a qualquer custo, e consequentemente aumentar ainda mais a pressão militar russa sobre a Ucrânia e outros países da região.

A longevidade de Putin no poder, comparável apenas à de Joseph Stalin, é notável, e sua influência política e controle sobre o sistema russo se mostram cada vez mais consolidados. Ele demonstrou habilidade em suprimir o debate político e neutralizar opositores, mantendo uma firme aderência ao poder.

O exílio e a morte de figuras proeminentes da oposição, como Alexei Navalny, morto na colônia penal IK-3 na Sibéria, destacam a severidade das medidas tomadas contra aqueles que desafiam o status quo político. Durante os 25 anos de governo Putin, acredita-se que ao menos 15 de seus opositores foram assassinados sob circunstâncias misteriosas, como em uma versão russa de Game of Thrones.

Além de Navalny, a extensa lista inclui Alexander Litvinenko, ex-espião russo assassinado por envenenamento com Polônio-210 em Londres, Anna Politkovskaya, uma jornalista e ativista de direitos humanos, crítica das ações russas na Chechênia, e Boris Nemtsov, ex-vice-primeiro-ministro, morto a tiros próximo ao Kremlin. Uma lista que pode ficar maior nos próximos anos.

Mesmo com as manobras políticas internas, Putin enfrenta desafios externos consideráveis, incluindo a prolongada guerra na Ucrânia e o isolamento diplomático por parte dos países ocidentais. Nada que ele não possa resolver com um sorriso e uma ameaça nuclear. No entanto, mesmo com sanções e críticas, Putin conseguiu manter um apoio relevante em casa, ampliando a narrativa da guerra para um confronto com o Ocidente, o que alimentou o orgulho nacional e o apoio à sua liderança.

A economia russa, embora afetada por sanções, surpreendeu muitos ao se tornar a de crescimento mais rápido na Europa, superando a do G7. A capacidade de Putin em contornar essas adversidades, especialmente através de parcerias com países como China e Índia, mostra o quanto ele sabe jogar o jogo geopolítico, influenciando toda a Eurásia a desafiar a hegemonia econômica ocidental.

Apesar da aparente estabilidade e controle que Vladimir Putin exerce sobre a Rússia, o futuro permanece envolto em incertezas. As críticas e a pressão internacional continuam a aumentar, desafiando sua autoridade e provocando reações cada vez mais hostis. Embora suas reformas constitucionais possam prolongar seu tempo no poder, as dinâmicas geopolíticas e os desafios internos sugerem um horizonte incerto, tanto para Putin quanto para a Rússia.

À medida que a década avança, resta saber se Putin conseguirá manter sua posição dominante ou se os ventos da mudança trarão novas perspectivas para o cenário político russo. Afinal, a história nos ensina que nem líderes nem impérios duram para sempre.

quinta-feira, 14 de março de 2024

O INTERMINÁVEL CICLO DE CRISE POLÍTICA, VIOLÊNCIA E MISÉRIA DO HAITI



              Foto: Odelyn Joseph/AP

O Haiti, uma nação marcada por uma história tumultuada desde sua independência em 1804, continua enfrentando desafios profundos que afetam gravemente seu povo e sua estabilidade. Desde os dias de revolta contra o domínio colonial francês até os tempos atuais, o país caribenho tem sido assolado por uma série de crises, incluindo fome, desastres naturais, miséria e, mais recentemente, o agravamento da violência causada pelo aumento das gangues e facções criminosas.

Sua história é caracterizada por uma luta constante por autonomia e liberdade, mas também por instabilidade política e econômica. Após a independência, o país experimentou uma série de governos instáveis, incluindo o período sombrio sob o governo de François Duvalier, conhecido como "Papa Doc". Durante seu regime, o Haiti foi submetido a uma repressão brutal, com milhares de opositores políticos sendo perseguidos, torturados ou mortos. Esse autoritarismo exacerbou as divisões sociais e econômicas, criando um ambiente propício para a explosão da violência no país.

As políticas de Papa Doc, e mais tarde de seu filho, Jean-Claude Duvalier, conhecido como "Baby Doc", resultaram em décadas de miséria e instabilidade. A corrupção generalizada e a má gestão econômica levaram o país à pobreza extrema e à dependência de ajuda externa. A falta de oportunidades econômicas empurrou muitos haitianos para a marginalização e o desespero, alimentando assim o recrutamento para gangues e milícias em busca de proteção ou sustento.

O capítulo mais recente dessa tragédia crônica foi a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, após semanas de violência generalizada que incluíram a libertação de prisioneiros e o fechamento do aeroporto. Esses eventos dramáticos destacam a crise institucional em curso, agravada pela falta de eleições desde 2016. Henry, que assumiu após o assassinato do presidente Jovenel Moise, enfrentou uma instabilidade crescente e optou por buscar refúgio em Porto Rico.

Sua renúncia foi negociada durante uma reunião regional no Caribe, resultando em um acordo liderado pelo presidente da Guiana, Irfaan Ali, para uma transição de governo que inclui medidas de segurança imediatas e a realização de novas eleições. Enquanto isso, Henry apelou à calma e colaboração entre os haitianos em busca da paz, sublinhando a necessidade urgente de uma transição política estável e um compromisso renovado com a segurança e prosperidade do país.

A situação atual do Haiti é um reflexo sombrio de sua história conturbada. A nação continua enfrentando desafios significativos, incluindo uma crise alimentar aguda, com mais da metade da população enfrentando insegurança alimentar. A pobreza generalizada e a falta de acesso a serviços básicos, como saúde e educação, perpetuam um ciclo de desespero e desigualdade.

Aproximadamente 60% dos haitianos vivem abaixo da linha de pobreza, enfrentando a falta de acesso a alimentos, água potável, educação e cuidados de saúde adequados. As condições de vida são tão precárias que a simples sobrevivência torna-se uma batalha diária. Terremotos devastadores, furacões poderosos e surtos de doenças, como a cólera, lançaram o país em um ciclo interminável de reconstrução e desespero. A infraestrutura já frágil muitas vezes desmorona diante dessas catástrofes, deixando milhões de haitianos desamparados ou os fazendo migrar para outros países em busca de melhores condições.

Além disso, o aumento das gangues e milícias tem acentuado os já elevados níveis de violência no país. Grupos armados controlam vastas áreas do território haitiano, impondo sua vontade através do medo e da intimidação. Os confrontos entre esses grupos rivais e as forças de segurança tornaram-se cada vez mais comuns, resultando em um aumento alarmante de mortes e deslocamentos internos.

O caos sociopolítico do Haiti permanece como uma ferida aberta, sangrando constantemente em meio a golpes de estado, corrupção e instabilidade institucional. A transição pacífica do poder e uma governança eficaz permanecem tão elusivas quanto sempre foram, deixando os haitianos presos em um ciclo interminável de agitação e revolta. Enquanto a comunidade internacional tem demonstrado interesse em ajudar, é evidente que sem uma intervenção significativa e contínua, o Haiti continuará a enfrentar essa tragédia por muitos e muitos anos. 

sexta-feira, 8 de março de 2024

A ALIANÇA ALBÂNIA-OTAN NA GEOPOLÍTICA DOS BÁLCÃS


Foto: Ministério da Defesa da Albânia

A recente reabertura da Base Aérea de Kuçovë, na Albânia, sob a supervisão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), marca um importante acontecimento na geopolítica dos Bálcãs Ocidentais, em meio a um cenário de crescente preocupação com a segurança na região. Enquanto o foco recente recaiu sobre a entrada da Suécia na OTAN (que tratamos na postagem anterior), a reativação da base albanesa destaca-se como uma resposta direta às mudanças no cenário geopolítico europeu.

O primeiro-ministro albanês, Edi Rama, ressaltou a importância estratégica da iniciativa durante a cerimônia de reabertura, destacando a necessidade de fortalecer a segurança coletiva dos países da região, face às crescentes preocupações com as potenciais ambições russas. Com um investimento significativo, superior a 50 milhões de euros, a revitalização da Base Aérea de Kuçovë compensa a ausência de jatos de combate próprios da Albânia, enfatizando a cooperação entre os membros da aliança para garantir a estabilidade regional.

A presença da aliança militar na base albanesa não apenas reflete uma resposta à crescente influência russa na região, mas também simboliza uma transformação histórica. Anteriormente conhecida como a "Cidade de Stalin", Kuçovë e sua base aérea representam um passado tenso durante a Guerra Fria. No entanto, a adesão da Albânia à OTAN em 2009 e a reativação da base destacam sua emergência como um aliado estratégico na região, contribuindo significativamente para a estabilidade e segurança.

Além do aspecto aéreo, a Albânia está em negociações para estabelecer uma base naval em Porto Romano, evidenciando seu compromisso contínuo com a segurança marítima no Adriático. Essas iniciativas demonstram uma abordagem proativa da Albânia na cooperação com a OTAN para fortalecer a segurança regional de maneira abrangente.

Tanto a reabertura da Base Aérea de Kuçovë quanto os planos para uma base naval em Porto Romano representam marcos significativos na cooperação entre a Albânia e a OTAN. Essas medidas não só buscam fortalecer a segurança e estabilidade nos Bálcãs Ocidentais, mas também evidenciam um compromisso conjunto com a defesa coletiva e a segurança regional diante de uma Rússia cada vez mais interessada em reestabelecer a Ordem Mundial desafiando os países ocidentais.

quinta-feira, 7 de março de 2024

A ADESÃO DA SUÉCIA À OTAN E O FORTALECIMENTO DA ALIANÇA NO NORTE DA EUROPA


         Imagem: X/ @NATO

O aguardado ingresso da Suécia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) nesta quinta-feira (7/3) marca uma mudança significativa em sua política de defesa, encerrando dois séculos de não alinhamento oficial. O primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, formalizou a adesão durante uma cerimônia em Washington, entregando os documentos de ratificação ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, após intensas negociações com os outros 31 membros da aliança militar.

Essa decisão é encarada como uma resposta aos desafios geopolíticos atuais, especialmente diante do conflito em curso na Ucrânia e da crescente ameaça russa aos países bálticos e escandinavos. A Suécia, juntamente com a Finlândia, lançou sua candidatura para integrar a OTAN em maio de 2022, após a invasão russa da Ucrânia. A adesão sueca, assim como a da Finlândia anteriormente, reflete a percepção de que a segurança coletiva é melhor garantida por meio de alianças internacionais robustas.

No entanto, a decisão da Suécia não veio sem controvérsias. A pressão da Turquia, país que tem opiniões desalinhadas com a maioria dos membros da OTAN (falaremos disso futuramente neste blog), e que exigiu recentemente ações contra militantes curdos na Suécia, atrasou o processo de adesão. Além disso, a aprovação final foi retardada devido a questões políticas na Hungria, evidenciando a complexidade e os obstáculos enfrentados pelos países ao ingressarem em alianças militares internacionais.

Os próximos passos para a Suécia incluem a integração efetiva na estrutura decisória da OTAN, onde terá voz e voto em igualdade de condições. Isso marca uma mudança significativa para um país que historicamente adotou uma política de não alinhamento. Mas não é apenas a Suécia que ganha com esse acordo. Espera-se que a presença sueca na aliança contribua não apenas para sua própria segurança, mas também para a estabilidade e a segurança estratégica da região do Mar Báltico e da Europa como um todo.

Embora a decisão de ingressar na OTAN tenha sido controversa e exigisse compromissos difíceis, uma pesquisa recente mostrou que a maioria dos cidadãos suecos acredita que os benefícios de segurança superam os sacrifícios necessários. Isso sugere um amplo apoio público à adesão da Suécia à OTAN, apesar das complicações políticas e diplomáticas associadas a essa mudança de política de defesa, principalmente em relação a Moscou.